quinta-feira, 29 de agosto de 2013
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
Eu e Portugal também tivemos a sorte de ter tido Urbano Tavares Rodrigues - SER de excepção!
“Lembro-me de um dia, por volta dos meus 7 ou 8 anos, ter
recebido como presente uma caixa de guaches de todas as cores.
O desenho nunca foi o
meu forte, mas julgo que nessa altura ainda não tinha tido oportunidade de
chegar a essa triste conclusão e haviam-me criado condições para montar o meu
pequeno atelier no quarto da costura da enorme casa dos meus avós.
Não sei que outras
obras de arte teria feito antes, mas quando entraste na sala, nesse dia, estava
eu a terminar o vestido radioso de uma menina que habitava uma paisagem
campestre, cheia de árvores e flores.
Era minha intenção
acrescentar inúmeras bolinhas brancas à sua saia rodada, mas mergulhara
desordenadamente o pincel na tinta e um enorme borrão tinha caído no chão do
desenho, manchando também o meu momento.
Tu aproximavas-te da
secretária.Era tão raro visitares-me enquanto brincava!
Rodei as cerdas do pincel em círculos rápidos e meticulosos, de aparente concentração.
— Que é isso — perguntaste. — Que estás a pintar?
— Uma menina — disse, sem desviar os olhos do trabalho. —
Uma menina no campo.
—Ah, muito bem — ias concluir já de saída, quando um meio
sorriso um pouco condescendente te reteve mais um pouco.
— E isto? — quiseste saber, apontando para o borrão de tinta
branca que eu não parava de aumentar.
— Isto é a lua — respondi.
— A lua no chão? — estranhaste.
— Sim, a lua no chão.
O teu rosto tornou-se
então grave. Sério. — A lua no chão — repetiste.
— Mas isso é lindíssimo! — e saíste triunfante, a folha de
papel almaço entre as mãos, declarando naquele teu tom de voz quase em
contralto que termina num murmúrio de verdadeiro êxtase:
— Isto revela um imenso sentido poético!
Dias depois o meu
«quadro» surgia emoldurado. Andou por essa casa durante anos e anos. «A tua lua
no chão» como sempre lhe chamaste.
Ainda hoje penso
muitas vezes se as coisas belas o têm de ser obrigatoriamente à partida —
enquanto ideia, elemento estético — ou se podem construir-se no material dos
erros, dos borrões, rodando as cerdas dos afectos em longos círculos de tinta
branca. Criando luas.
Julgo que sim.
Mas julgo também que,
para que tal aconteça, é necessário que alguém, alguma vez, tenha sido capaz de
olhar para o nosso trágico engano, para a nossa pinta derramada do vestido,
emoldurá-lo, dar-lhe um pedacinho de parede e murmurar nesse exagero alquímico
dos afectos «Isto é lindíssimo!»
Eu tive essa sorte.”
Urbano Tavares Rodrigues partiu. RIP
Se algum paraíso existe, cheguei lá.
...
As crises de angústia
sucedem-se num ritmo frenético.Atordoa-me a boca imensa dessa angústia, cuja baba escorre, grossa e sanguinolenta, na minha escrita.
Nada mais vou dizer.
Dói tanto!
Do livro com o mesmo
nome "A imensa boca dessa angústia", conto dedicado ao filho António
Urbano.
Urbano Tavares
Rodrigues, em 2013 - fotografia de Alfredo Cunhaquarta-feira, 7 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
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